quinta-feira, 6 de abril de 2017

PATINAGEM

O fascínio exercido por Marcelo é um claro sinal de derrota. Não desta ou daquela facção política, mas da política ela mesma. 

Marcelo é omnipresente, tal como se espera de um Deus. E as massas, impelidas pelo servilismo dos media, seguem o seu caminho na direcção do abismo endeusando Marcelo.

Na realidade, o melhor que Marcelo tem é ser uma lufada de ar fresco depois de dez anos de mofo cavaquista. Mas com o ar fresco de Marcelo chegam-nos fragrâncias inebriantes contra as quais devemos proteger-nos (sob pena de endoidecermos). 

Marcelo é um teste à lucidez, um desafio à clarividência. No mesmo dia, senão numa mesma hora, é capaz de opinar sobre vendas de bancos e resultados futebolísticos; depois de distribuir sopa pelos pobres, aperalta-se para um desfile de moda; encarna a postura doutoral com a mesma facilidade com que veste as máscaras do povo. 

Sucede que entre ouvir Marcelo perorar sobre o estado do mundo e escutá-lo enaltecer a qualidade dos sabonetes produzidos em Portugal não há diferença alguma, faz tudo parte de um espectáculo cujo principal objectivo é o de todos os espectáculos que a política vai engendrando desde os coliseus romanos, ou seja, manter os níveis de ignorância do povo que garantem a perpetuação no poder de uma determinada classe. 

Marcelo aligeira-nos os dias, por assim dizer, demitindo-nos de exercer sobre eles o espírito crítico que exigiriam não andássemos tão arredados. 

Marcelo é um mestre da patinagem, uma patinagem que nada tem de artística. Ele é a imagem de um país a patinar na lama, como um veículo que patina e não sai do mesmo lugar.

Sentimo-nos protegidos pela sua agilidade e abdicamos de pensar, permitimos que nos substitua no espaço público porque, em boa verdade, nada teríamos a acrescentar. Vacuidades, futilidades, lugares comuns, são com ele. E nós com ele, colocando a fasquia a um nível que não seja custoso transpor. 

Vamos de patins com Marcelo para onde ele nos levar, mas o mais provável é, sem que dêmos por isso, estarmos já em queda quando ele, perdido de vista, regressa a pé para de onde veio. Olhando para trás os desgraçados que seguiam seu canto, olhando-os com lamento réptil.

Se todos fossem como ele, ouço por aí. Ouço, calo-me, desvio-me. Se todos fossem como ele, os processos continuariam como continuarão a prescrever. Ilibando os donos disto tudo, condenando quem trabalha para que tudo mude… ficando na mesma. 

3 comentários:

RFF disse...

"Na realidade, o melhor que Marcelo tem é ser uma lufada de ar fresco depois de dez anos de mofo cavaquista." Aí é que está, aliás a única justificação para tanto consenso à volta do pior perfil possível para o cargo. Sempre me pareceu desde o início.
Mesmo rezando a todas as nossas senhoras, o mais certo é acabar daqui a anos a levar porrada na rua dos sem-abrigo e d'outros. E será prémio mais que merecido...

hmbf disse...

Sempre que aparece no ecrã, a toda a hora, imagino-o de patins e maillot.

MJLF disse...

Camaleão Marcelo, ficava bem com um maillot de licra :)