Não sei se há razões para celebrar este Dia Mundial do
Teatro. Nem se haverá razões para celebrar um dia nacional do teatro. (…)O
facto de não haver razões globais nem razões nacionais — o estado do mundo é
mau, o estado do nosso teatro miserável — tornam a celebração mais
significativa como luta: festa e luta coincidem. / Haverá razões para celebrar
o teatro, a sua vida? Sim, na perspectiva de sempre: vou ao teatro ver a vida
para melhor a entender e poder observar-me a mim e aos outros, em cena,
movendo-me entre as “muitas maneiras de enganos” de que se compõe. O teatro é
um antídoto esclarecido para a vida imposta pelo mercado, uma escola acerca do
todo e do tudo, para todos. E de nível superior universal, sendo teatro. Isso
pressupõe que a democracia seja avançada como projecto de governação, culta,
que nela o debate acerca dos seus destinos e os modos da sua governação sejam
qualificados, não o caos entrópico em que submergimos — podíamos e podemos
ajudar a isso. Nem com um periscópio com uma lupa Hubble, iluminada, racional,
nos safamos pelo modo como o mundo e o país caminham, a quantidade de lixo
informativo, publicitário, “cultural”, a negatividade dos acontecimentos reais,
sufoca todos e preenche os canais de comunicação. / (…)Isso implica conceber
uma democracia cultural. O que não temos. O teatro, sendo um serviço público
geral e universal, merecia hoje estar a celebrar o seu dia com outra liberdade
de perspectivas e existência real. Para isso teria de estar entrosado com uma
democracia culta e adulta como se diz aí num ecrã. Mas não, somos de facto, à
excepção das grandes estruturas — deveriam existir muitas mais, médias e grandes,
outras, cobrindo o território e as suas demografias assimétricas —,
favelizados, marginalizados e a nossa arte é esmagada nas suas potencialidades.
O teatro é grego, o espectáculo é romano.
Fernando Mora Ramos, aqui.
Nota: na imagem ao alto, Miguel Rovisco. “Foi premiado em
1987 como o melhor dramaturgo português. Recusou o dinheiro, protestou de corda
ao pescoço e suicidou-se aos 27 anos.” A história toda: aqui.
3 comentários:
Continua sem comentários. A morte passa sempre ao lado dos vivos.
Pois é, meu caro/cara. Também por isso andamos por cá em antologias do esquecimento, a ver se cuidamos dos mortos.
E é meritório o seu trabalho de divulgação. Absolutamente. Eu referia-me à malta que parece interessar-se pela literatura, e perante a memória do Rovisco ficam sem saber o que dizer. Se calhar não têm nada que dizer. É pena...
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