quarta-feira, 28 de março de 2018

DIA MUNDIAL DO TEATRO



Não sei se há razões para celebrar este Dia Mundial do Teatro. Nem se haverá razões para celebrar um dia nacional do teatro. (…)O facto de não haver razões globais nem razões nacionais — o estado do mundo é mau, o estado do nosso teatro miserável — tornam a celebração mais significativa como luta: festa e luta coincidem. / Haverá razões para celebrar o teatro, a sua vida? Sim, na perspectiva de sempre: vou ao teatro ver a vida para melhor a entender e poder observar-me a mim e aos outros, em cena, movendo-me entre as “muitas maneiras de enganos” de que se compõe. O teatro é um antídoto esclarecido para a vida imposta pelo mercado, uma escola acerca do todo e do tudo, para todos. E de nível superior universal, sendo teatro. Isso pressupõe que a democracia seja avançada como projecto de governação, culta, que nela o debate acerca dos seus destinos e os modos da sua governação sejam qualificados, não o caos entrópico em que submergimos — podíamos e podemos ajudar a isso. Nem com um periscópio com uma lupa Hubble, iluminada, racional, nos safamos pelo modo como o mundo e o país caminham, a quantidade de lixo informativo, publicitário, “cultural”, a negatividade dos acontecimentos reais, sufoca todos e preenche os canais de comunicação. / (…)Isso implica conceber uma democracia cultural. O que não temos. O teatro, sendo um serviço público geral e universal, merecia hoje estar a celebrar o seu dia com outra liberdade de perspectivas e existência real. Para isso teria de estar entrosado com uma democracia culta e adulta como se diz aí num ecrã. Mas não, somos de facto, à excepção das grandes estruturas — deveriam existir muitas mais, médias e grandes, outras, cobrindo o território e as suas demografias assimétricas —, favelizados, marginalizados e a nossa arte é esmagada nas suas potencialidades. O teatro é grego, o espectáculo é romano.
Fernando Mora Ramos, aqui.

Nota: na imagem ao alto, Miguel Rovisco. “Foi premiado em 1987 como o melhor dramaturgo português. Recusou o dinheiro, protestou de corda ao pescoço e suicidou-se aos 27 anos.” A história toda: aqui.

3 comentários:

Anónimo disse...

Continua sem comentários. A morte passa sempre ao lado dos vivos.

hmbf disse...

Pois é, meu caro/cara. Também por isso andamos por cá em antologias do esquecimento, a ver se cuidamos dos mortos.

Anónimo disse...

E é meritório o seu trabalho de divulgação. Absolutamente. Eu referia-me à malta que parece interessar-se pela literatura, e perante a memória do Rovisco ficam sem saber o que dizer. Se calhar não têm nada que dizer. É pena...