segunda-feira, 23 de abril de 2018

[De manhã os rios atravessam a cidade]



De manhã os rios atravessam a cidade;
à noite os corpos regressam nus
a tempo de ver a luz da meia-noite.
Perguntam: ainda há mãos
que transportem lanternas?

O mundo trauteia canções de marinheiros,
assistimos ao milagre da reprodução dos naufrágios

O desânimo atravessa as ruas
entregue pelo carteiro

E eu respondo: ninguém ama
sem morrer

O entulho que suja
é o que faz o poema



Fábio Neves Marcelino (n. 1987), in Canto Irregular. Estudos de Filosofia. Dois volumes de tiragem reduzida precederam a publicação de Canto Irregular (Averno, Janeiro de 2018). «Como todos os outros poemas deste livro (…), o dístico dedicado a Antero é o resultado de uma impiedosa operação de desbaste»: Sobra manhã / na noite de Antero. «Há no autor de Canto Irregular um genuíno desconforto com a própria condição de poeta que também o singulariza numa geração em que a regra é a auto-promoção mais ou menos descarada». Quem o afirma é Luís Miguel Queirós, no Ípsilon de 2 de Março de 2018. Fala ainda de «despojada concisão» e «sofrida decantação» a propósito desta poesia.

2 comentários:

manuel a. domingos disse...

Esse, da foto, não é o Fábio.
O Fábio é aquele que está desfocado: https://www.publico.pt/2018/03/02/culturaipsilon/noticia/duas-vozes-dissonantes-na-novissima-poesia-portuguesa-1804705

hmbf disse...

Obrigado, Manuel. Por acaso tenho essa edição em papel, que me induziu em erro.