quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

100 LIVROS PARA AS MINHAS FILHAS #7


   Já que estamos com a mão na massa, tomai em vossas mãos, minhas filhas, o único livro de ciência política que realmente vale a pena ler, estudar, aprofundar, reflectir. Evitai considerá-lo apêndice de Uma Apologia dos Ociosos, apesar de ambos datarem da mesma época e focarem, cada um à sua maneira, temas interligados. Se na obra de Stevenson encontramos a apologia de um estado existencial contra a imposição de um modo de vida, na de Paul Lafargue (1842-1911) vislumbraremos a defesa acérrima de um direito fundamental acompanhada da denúncia de uma sociedade empenhada em usurpar aos homens tal direito: a preguiça. Impossível determinar quanto terá trabalhado o autor para atingir o estado de clareza que a brevidade do texto oferece, embora desconfiemos que, dada a profusão de citações, a preguiça não tenha sido dos valores por ele mais cultivados.
   Nos 69 anos de vida vivida, Lafargue, que casou com uma filha de Karl Marx, foi activista comprometido com a defesa dos direitos dos trabalhadores. Nasceu em Cuba, filho de fazendeiro com plantações de café. Na família multicolorida cabiam um índio jamaicano, um mulato refugiado do Haiti, judeus e cristãos, particularidade que lhe ofereceu desde cedo uma panorâmica alargada da cultura humana. Estudos iniciais de medicina levaram-no a apaixonar-se pelo positivismo, tendo a partir de aqui inclinado o coração para o anarquismo político, até ser finalmente assaltado pelas teses sociais de Marx. O casamento com Laura, a filha de Marx, terminou quando ambos resolveram suicidar-se. Talvez preguiçassem menos do que deviam.
   A verdade é que Paul Lafargue entendeu antes de muitos aquilo em que a breve trecho se tornaria a vida da maioria de nós, uma vida dominada a chicote pela moral cristã e sua lastimável paródia, a moral capitalista. Metei isto nas vossas cabeças, minhas filhas, se Cristo morreu na cruz não foi para expiar-nos os pecados, mas sim para que outros espiem a nossa vida, levando-nos a crer que o sentido desta em terra está no seu sacrífico por uma outra algures no céu. E assim se fomenta uma indústria de servidão, das quais tanto as fábricas como as igrejas ou os centros comerciais, são lugares de culto por excelência. Isto mesmo se denuncia em O Direito à Preguiça (Teorema, 11.ª edição 2011), obra publicada originalmente em 1880.
   Vós, que sois já um produto da Revolução Tecnológica, tende cuidado: tal como no passado foram os homens escravos das máquinas, somos nós hoje escravos das tecnologias. A ideia de que os robôs viriam para a nossa libertação está mais que desfeita, reduzindo a mão-de-obra humana aos valores de um salário mínimo que é via verde à escravidão, ao degredo, ao desprezo, à miséria. A religião do trabalho, acompanhada da ideia de utilidade, nada mais tem conseguido do que o embrutecimento das almas humanas, levando-nos o tempo de ócio, censurando-nos o direito à preguiça, coagindo-nos a crer que o progresso é esta mecânica desenfreada de produzir para consumir até termos dado cabo de todos os recursos naturais e, por consequência, da Terra Mãe. Conclusão:

Tal como Cristo, dolente personificação da escravatura antiga, os homens, as mulheres e as crianças do Proletariado sofrem penosamente desde há um século o duro calvário da dor: desde há um século, o trabalho forçado parte-lhes os ossos, mortifica-lhes a carne, arrasa-lhes os nervos; desde há um século, a fome contorce-lhes as entranhas e alucina-lhes a cabeça!... Ó Preguiça, tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das artes e das nobres virtudes, sê o bálsamo das angústias humanas!

Para mais esclarecimentos: aqui e aqui.

Sem comentários: