Já que estamos
com a mão na massa, tomai em vossas mãos, minhas filhas, o único livro de
ciência política que realmente vale a pena ler, estudar, aprofundar, reflectir.
Evitai considerá-lo apêndice de Uma Apologia dos Ociosos, apesar de ambos
datarem da mesma época e focarem, cada um à sua maneira, temas interligados. Se
na obra de Stevenson encontramos a apologia de um estado existencial contra a
imposição de um modo de vida, na de Paul Lafargue (1842-1911) vislumbraremos a
defesa acérrima de um direito fundamental acompanhada da denúncia de uma
sociedade empenhada em usurpar aos homens tal direito: a preguiça. Impossível determinar
quanto terá trabalhado o autor para atingir o estado de clareza que a brevidade
do texto oferece, embora desconfiemos que, dada a profusão de citações, a
preguiça não tenha sido dos valores por ele mais cultivados.
Nos 69 anos de
vida vivida, Lafargue, que casou com uma filha de Karl Marx, foi activista comprometido
com a defesa dos direitos dos trabalhadores. Nasceu em Cuba, filho de
fazendeiro com plantações de café. Na família multicolorida cabiam um índio
jamaicano, um mulato refugiado do Haiti, judeus e cristãos, particularidade que
lhe ofereceu desde cedo uma panorâmica alargada da cultura humana. Estudos
iniciais de medicina levaram-no a apaixonar-se pelo positivismo, tendo a partir
de aqui inclinado o coração para o anarquismo político, até ser finalmente
assaltado pelas teses sociais de Marx. O casamento com Laura, a filha de Marx,
terminou quando ambos resolveram suicidar-se. Talvez preguiçassem menos do que
deviam.
A verdade é que
Paul Lafargue entendeu antes de muitos aquilo em que a breve trecho se tornaria
a vida da maioria de nós, uma vida dominada a chicote pela moral cristã e sua
lastimável paródia, a moral capitalista. Metei isto nas vossas cabeças, minhas
filhas, se Cristo morreu na cruz não foi para expiar-nos os pecados, mas sim
para que outros espiem a nossa vida, levando-nos a crer que o sentido desta em
terra está no seu sacrífico por uma outra algures no céu. E assim se fomenta
uma indústria de servidão, das quais tanto as fábricas como as igrejas ou os
centros comerciais, são lugares de culto por excelência. Isto mesmo se denuncia
em O Direito à Preguiça (Teorema, 11.ª edição 2011), obra publicada
originalmente em 1880.
Vós, que sois já
um produto da Revolução Tecnológica, tende cuidado: tal como no passado foram
os homens escravos das máquinas, somos nós hoje escravos das tecnologias. A
ideia de que os robôs viriam para a nossa libertação está mais que desfeita, reduzindo a
mão-de-obra humana aos valores de um salário mínimo que é via verde à escravidão,
ao degredo, ao desprezo, à miséria. A religião do trabalho, acompanhada da
ideia de utilidade, nada mais tem conseguido do que o embrutecimento das almas
humanas, levando-nos o tempo de ócio, censurando-nos o direito à preguiça, coagindo-nos
a crer que o progresso é esta mecânica desenfreada de produzir para consumir até termos dado
cabo de todos os recursos naturais e, por consequência, da Terra Mãe.
Conclusão:
Tal como Cristo, dolente personificação da escravatura
antiga, os homens, as mulheres e as crianças do Proletariado sofrem penosamente
desde há um século o duro calvário da dor: desde há um século, o trabalho
forçado parte-lhes os ossos, mortifica-lhes a carne, arrasa-lhes os nervos;
desde há um século, a fome contorce-lhes as entranhas e alucina-lhes a
cabeça!... Ó Preguiça, tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das
artes e das nobres virtudes, sê o bálsamo das angústias humanas!
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