terça-feira, 26 de janeiro de 2021

LEFT ALONE (1959)


 
À minha mãe.
 
Tocaram os sinais numa manhã de Janeiro. O dia cobriu-se de neblina, uma chuva miudinha aspergiu a terra levantando aquele odor a memória que captura o pensamento e não mais nos liberta. Por momentos desejei que o sol tudo secasse e apagasse, deixando-me em paz com o esquecimento. Por momentos anseio esquecer, mas logo um rosto sorri por entre as sombras e diz: fui assim. És tu e sorris. É difícil olhar agora para estes objectos, mãe. Como encarar a roupa e os sapatos e as jóias que te envaideciam? Como aceitar o exemplo cuidado ao longo dos anos, sem literatura que não fosse a de estar entre os outros respeitando-os? Tão difícil literatura. Deixámos de falar em compaixão, no gesto que era o teu de querer bem, acolhendo, dando, e nada esperando em troca. Herdo-te a tristeza, o gozo de estar só, mas também essa lei sagrada que exige apenas ser bom, não desperdiçar a vida senão sendo boa pessoa. Amar a quem nos quer, querer a quem nos ama. Terás o teu cântico. E um ramo de orquídeas do teu jardim.

5 comentários:

CCF disse...

Tão triste, tão bonito. Guarde-a sempre em si.
E fique o melhor possível.
~CC~

Unknown disse...

Foi sempre assim que a conheci. Uma mulher bondosa, dedicada, muito simples e com grande coração 💓. Os anos passaram e nunca deixou de me tratar por Belinha. Era assim a minha vizinha Clarisse. Força.

sara rocio disse...

Que comovente e bela despedida Henrique.
Deixo-te um abraço do tamanho do mundo e mais ainda, para chegar até ti e toda a família.
Saudades vossas...

Maria Eu disse...

O Amor é a maior herança.

Permito-me um abraço.

Cuca, a Pirata disse...

Um abraço Henrique.
O meu pai em dezembro.
Em boa poesia, é fodido.