segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

UM POEMA DE BRENDA SHAUGHNESSY

 


MUDAR PARA LONGE

Ouvi dizer que agora querem criar fronteiras na água, declará-la um lugar,
impor-lhe uma forma,
dissolver o solvente.

Não é solução para o nosso problema provável:
Nunca mais te verei, digo em linha. Digo sozinha. Agora ficaremos nós
mais do que a sós.

Posso ser boa amiga para ti se for para longe? Não te vejo há anos,
Mas gosto de arestas por limar - uma ilha arrancada a um grande tirano,

empregarei em ti toda a minha lenha.
Feitiçaria, em que me tornaria?
Um metro de ferro, um toco de tronco. Um desejo de simetria.

O meu fogo passaram-mo bruxas de caldeirão nas suas longas
juventude reprovadas-
cresce a crista nas ondas,

enxaguada de desejo, solavancando sempre sem que sede seque ou estanque. Como se
não ondulasse a água e virasse a maré

e me respondesse como um animal 
ciumenta, esmagada, lavando-se.
nunca esquecerei que me disseste para nunca esquecer

mas esqueci. A tua voz a agulha que me cerze a ferida aberta,
já queimada e limpa para um corte limpo.

In DEZ AR MAR // TEN SEA AIR, organização de Margarida Vale de Gato e José Duarte, Casa de Gigante - Associação Mandriões no Vale Fértil, tradução de Inês de Melo Eufémia, Novembro de 2024, p. 48.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

50 X 26

 


“New York”: Lou Reed
 
O primeiro Lou Reed que ouvi terá sido “New York” (1989), álbum que aos dias de hoje adquire uma espécie de aura profética. Escutem-se “There Is No Time” ou “Sick of You”, podiam ser hinos para a América entretanto rendida aos caprichos de um demente rodeado de outros dementes. Ou “Last Great American Whale”, onde a certa altura se diz isto: «Americans don’t care too much for beauty / They’ll shit in a river, dump battery acid in a stream / They’ll watch dead rats wash up on the beach / and complain they can’t swim». Talvez também neste caso possamos falar de ecopoesia. No entanto, o primeiro disco de Lou Reed que adquiri foi uma colectânea intitulada “Walk On The Wild Side” (1981), título que remete para uma das mais populares das suas canções, incluída em “Transformer” (1972), disco produzido por David Bowie. Como é sabido, antes do percurso a solo, o autor de “Dirty Blvd” formou-se nos The Velvet Underground, banda de certo modo inventada por Andy Warhol. Influenciado pelo escritor Delmore Schwartz, de quem foi aluno, mas também por um autor central da literatura norte-americana como Edgar Allan Poe, a quem dedicou o penúltimo dos seus álbuns, “The Raven” (2003), Lou Reed é um incomparável escritor de canções, canta a recitar poemas sobre ambientes contaminados e paisagens poluídas, situações de autodestruição e poderes corrompidos pelo que de pior há no poder, a hipocrisia. Há um lado simples nas suas composições, quase minimalista, que me fascina sobretudo pela capacidade que demonstra ter em fazer dezenas de combinações diferentes com três ou quatro acordes. Ouço-o sempre com entusiasmo.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

UM POEMA DE NUNES DA ROCHA

ORÁCULO

Supõe um íman:
bandeira & parlamento, baptismo & certidão d' óbito,
tudo em caixa alta e mormente
um alcatruz sem água viva.
Supõe acédia e deuses em fuga
de uma pandemia ao acaso.
Vai e não voltes.

Nunes da Rocha, in Inéditos em Verso & Outros Achados Poéticos, A Ideia, n.º 104/105/106, 2024, p. 17.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

UM NÚMERO

"Está tudo prescrito: Tribunal da Relação de Lisboa anula coimas de €225 milhões a 11 bancos".

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

QUADRILHA

 


O que vale é que um dos condenados, por acaso líder da quadrilha, garante que expulsa todos a bem da limpeza no país. Mais de um milhão de portugueses votaram nesta gente, é preciso lembrá-los para ver se ganham vergonha na cara. É que começa a ser tão previsível como o nascer do sol, fenómeno que nos leva a questionar: era diferente há um, dois, três, quatro anos? Desde o início, desde a sua formação, que este albergue de broncos e de criminosos é o que é. Que a comunicação social o descubra agora também é revelador das agendas mediáticas que, enfim, vão fazendo o jeitinho a quem está no poder. PSD e CDS precisam dos votos que migraram para o Chega, votos que no passado se disseminavam um pouco por todo o lado, mas com especial concentração nesses PPDs e PPs e Alianças que pariram grande parte destes dirigentes cheganos. Entretanto, no X, Arruda vai malhando nos ex-colegas de bancada para entretenimento das massas. Chegámos a este miserável estado meio século depois do 25 de Abril de 1974. Podemos agradecê-lo a todos os que fingiram ser sociais-democratas e aos que meteram o socialismo na gaveta. Têm a bênção da ICAR.

DE MÁ CONDIÇÃO

 


Calhou assim, não foi propositado. Chegou-nos ontem, Dia Mundial da Árvore e da Poesia, este segundo volume da Colecção Insónia. O primeiro foi "A Dança das Feridas". Esperámos 13 anos por ele, eu, a Maria João Lopes Fernandes e o Pedro Serpa.
 
Tal como aconteceu no passado, também deste volume não farei apresentações públicas nem distribuição pelas livrarias. Trata-se de uma edição única, minha e da Maria João - autora das pinturas na capa e no interior, originais concebidos para este efeito -, que em nenhuma circunstância deverá ser objecto de qualquer reedição.
 
Quem tiver interesse num exemplar, poderá contactar-nos, a mim ou à Maria João, por Messenger (Facebook, Instagram) ou email. O meu email é fialho.henrique@gmail.com. O valor de capa, com portes incluídos, é 10€. São 78 poemas e 9 reproduções de pinturas da Maria João Lopes Fernandes. O design e a composição é do Pedro Serpa.
 
Em memória de minha mãe, Clarisse Maria Tavares Bento.
 
Saúde.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

ANTICOMUNISTA

 

"Sou anticomunista", diz o homem que gama malas nos aeroportos, vende o conteúdo das malas na Vinted, envia a roupa roubada a expensas do correio parlamentar, guarda as malas no seu gabinete da Assembleia da República, tem um fetiche com roupas de menores...

Se este homem é anticomunista, Deus está do lado dos comunistas.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

EDUCAÇÃO

 

Chamem-me o que quiserem, mas continuo a dizer que este é, provavelmente, o maior flagelo deste país, na raiz de todos os outros que nos afligem:

"Entre os 2529 professores que responderam a um inquérito da Missão Escola Pública, 59% admitem que já se sentiram vítimas de bullying no ambiente escolar, o que tem "um impacto significativo na saúde emocional dos docentes, afectando a sua motivação, auto-estima e capacidade de continuar a exercer a profissão". São sobretudo agressões verbais (63,3%) e ameaças (47%), embora 9,5% dos professores afirmem já ter sido vítimas de agressões físicas. E se estes actos são cometidos maioritariamente pelos alunos, mais de metade destas queixas (53,5%) têm, no entanto, origem em actos praticados pelos próprios pais e encarregados de educação."

A solução para isto é só uma, devolver à docência a dignidade que lhe foi usurpada. Revalorizando a carreira desde a formação até à reforma.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

"DOMESTICADORA DE GIRASSÓIS", POR AGRIPINA CARRIÇO VIEIRA

 

No mais recente número da revista COLÓQUIO/Letras, o 218 (Janeiro/Abril de 2025), Agripina Carriço Vieira escreve sobre “Domesticadora de Girassóis” (Companhia das Ilhas, 2024). Deixo o primeiro parágrafo de um texto bem mais longo que revela uma leitura atenta e perspicaz:

«São múltiplas as sensações que nos visitam aquando da leitura de “Domesticadora de Girassóis”, o último livro de Henrique Manuel Bento Fialho, entremeando-se a inquietação, o desassossego e uma cúmplice envolvência. Desde o primeiro momento, no contacto com o aparelho paratextual, o leitor é interpelado por um livro que o desafia. Antes de mais porque se esquiva a qualquer classificação de género, deixando a quem o lê a possibilidade da livre descoberta de um conjunto de catorze textos, que se apresentam como se uma colectânea de contos fossem, mas a que dificilmente podemos atribuir essa designação. São de dimensão muito variável (ao lado de narrativas de quatro páginas, outras há mais extensas, a maior das quais com cinquenta e nove páginas) e de género indefinido, que oscilam entre os registos do conto, do ensaio, do guião, do diário ou da autobiografia, sem nunca se submeterem às convenções de cada um dos diferentes géneros. O fundamento deste movimento subversivo dos códigos literários é-nos dado pela voz que se faz ouvir no último e mais longo texto do livro, intitulado «Sobre o Autor». Aliando as dimensões autobiográfica (do ponto de vista do conteúdo) e diarística (em termos de organização), o leitor é surpreendido por entradas numeradas, que apresentam 51 marcações temporais, uma por cada ano de vida (a que, com maior propriedade, devemos designar por anuário), acompanhadas em ocasiões pontuais por siglas, que intuímos remeterem para locais. É na entrada do ano de 1999 que a voz autoral confidencia: «Gosto de textos que desrespeitem o estilo, rasurem a identidade, nada me agrada mais num livro do que não conseguir classificá-lo quanto ao género e forma» (205). São o gosto e a predilecção pela subversão das normas, tão desassombradamente enunciados, que moldam, para deleite dos leitores, este seu “Domesticadora de Girassóis”.»

DOMESTICADORA DE GIRASSÓIS

 


Os 14 contos de Domesticadora de Girassóis, mais extensos do que é habitual neste autor, exploram universos fantasmagóricos com personagens que tentam equilibrar-se entre o real e o imaginário. O que há de anómalo e de paradoxal nas situações recriadas encontra na multiplicidade formal, que vai da ficção narrativa ao poético, da crónica ao drama, do relato autobiográfico à prosa ensaística e ao diário, vias de expressão para seres cuja existência está em permanente conflito com um mundo onde a separação entre caos e ordem perdeu qualquer sentido.

236 páginas
Maio de 2024
 

Venda directa – pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
 
Também disponível 

na Snob: https://www.livrariasnob.pt/product/domesticadora-de-girassois ;





sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

MARIANNE FAITHFULL (1946-2025)

 


 
"Broken English" ( 1979) fez-me companhia em diversas ocasiões. Tinha uma voz característica de quem não dá descanso à vida. Já não tem.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

50 X 25

 


“Fruit Tree”: Nick Drake
 
A voz mais doce de Inglaterra partiu cedo, com apenas 26 anos de idade. Nasci cinco dias antes de ele haver partido, pelo que talvez exista aqui uma qualquer conjugação astral a ligar-nos. Quando a ansiedade me toma conta do corpo e da cabeça, é a ele e a Chet Baker que mais recorro. Drake legou-nos três álbuns maravilhosos, mais uns trocos: “Five Leaves Left” (1969), “Bryter Layter” (1971) e “Pink Moon” (1972). No último, isolou-se por completo agarrando-se à guitarra e ao piano. Nos outros dois é acompanhado por uma banda. Diz-se que sofria de depressão, algo que as letras das canções amiudadamente induzem: «Time has told me / You’re a rare rare find / A troubled cure / For a troubled mind». Todos os álbuns são de um intimismo cativante, com arranjos de cordas envolventes nos primeiros e colaborações relevantes: Richard Thompson, dos Fairport Convention, John Cale, dos The Velvet Underground, Mike Kowalski, dos Beach Boys… No entanto, Nick Drake nunca conheceu o sucesso. É um daqueles casos em que a morte ajuda ao reconhecimento. Há muitos assim.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

50 X 24

 


 
“Experimental Jet Set, Trash and No Star”: Sonic Youth
 
Por falar em Sonic Youth, parece já ter sido há um século que inúmeras bandas de rock português queriam imitá-los. Nas Caldas da Rainha, em particular, havia um leque variado de t-shirts dos Sonic Youth a darem conta do culto. Apesar de começarem a editar no início da década de 1980, foi na década seguinte, empurrados pela onda grunge, que granjearam popularidade considerável com o álbum “Dirty” (1992). Com produção de Butch Vig, o mesmo do megassucesso “Nevermind” (1991), dos Nirvana, “Dirty” mostrava, paradoxalmente e sem prejuízo da característica noise, uns Sonic Youth mais clean do que era hábito até então. O ruído enquanto experiência musical, sob vozes frágeis e ritmos lentos, repetitivos, pouco tinha que ver com as explosões enérgicas do grunge. Os Sonic Youth foram sempre mais artísticos e inventivos, bem mais criativos do que o punk permitia com as suas canções de protesto restringidas a três acordes. “Experimental Jet Set, Trash and No Star” (1994) foi a resposta natural ao sucesso alcançado com “Dirty”, ou seja, um álbum repleto de experiências sem necessidade de prestar provas a ninguém, num diálogo intimista entre o ex-casal Thurston Moore e Kim Gordon. Politicamente bartlebyano, se assim podemos dizê-lo, aborda temas tais como as questões de género, a auto-obsessão, a ambição desmesurada nas sociedades de consumo, a pressão da fama, etc. É, talvez, o melhor álbum da banda, a par de “Sister” (1987), ao que parece inspirado na obra literária de Philip K. Dick.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O QUE SE PASSA?

 


O que espanta é terem sido apenas 100. Mas juntem isto ao Pegasus, aos pagers com explosivos, às fábricas de AI, ao pinkwashing e outras subtilezas e têm o ramalhete composto.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

PROGRESSO

 
"Porto Covo: um mar de betão está a submergir a aldeia piscatória. A construção de apartamentos turísticos é incessante. A aldeia impreparada para a invasão no Verão, já depende da água dos auto-tanques. Mas por todo o lado surgem piscinas."

Fui assistindo a esta transformação ao longo dos últimos 30 anos. Tanto Porto Covo como Vila Nova de Milfontes tornaram-se irreconhecíveis, Odeceixe e a zona de Aljezur vão pelo mesmo caminho. Chamam a isto progresso.

A NOSSA CULTURA

 
"GNR recebeu em média 40 queixas por dia de violência doméstica no ano passado".
 
Mostrem ao Pedro Nuno. Temos de fazer respeitar os nossos princípios, costumes, valores, a nossa cultura.