"Unforgiven", do republicano Clint Eastwood, é um dos filmes da minha vida. Se bem se recordam, também começa com as consequências dramáticas de uma piada infeliz. No caso, uma prostituta goza com o tamanho da pilinha de um cliente. Vai este, armado em Will Smith, saca da naifa e inflige uma série de cortes no rosto da pobre rapariga. Muitas discussões começam assim, com piadas que caem mal no goto.
Estava aqui a pensar quantas chapadas as vítimas de violência doméstica e de bullying não terão já levado por causa de piadas. Não é sensato confundir uma piada, por muito infeliz que seja, com violência psicológica. Como em tempos explicou o Miguel Esteves Cardoso, só um parvalhão pode julgar que ao chamarem-lhe filho da puta estão a insultar a sua mãe. Uma piada é uma piada, o objectivo é fazer rir. Se for boa, também fará pensar.
A tradição satírica está cheia de piadas violentíssimas. Quando não gostavam, alguns dos visados também reagiam com "chapadas". Basta pensar no que foi a vida do nosso enorme Bocage, ou nos destinos desgraçados de Gregório de Matos e de Tomás Pinto Brandão. Há uns tempos éramos quase todos Charlie, não cabia na cabeça de ninguém justificar aquela violência toda por causa de umas meras caricaturas. Também houve quem dissesse que as vítimas se puseram a jeito. Não se brinca com Maomé.
Talvez devesse haver uma lista das coisas com as quais não se pode brincar. O tamanho das pilinhas, doenças dermatológicas, crenças religiosas? Gagos e anões, tão frequentes no humor, devem ser banidos das motivações trocistas, assim como louras, gordos, alentejanos. Ninguém deve ser chacoteado por ser como é. Humor negro? Nem pensar. Todas essas piadas sobre campos de concentração devem ser banidas da face da terra. Devemos aprender a rir para dentro com os malucos do riso e o menino Tonecas, desde que as piadas deste não afectem a dignidade da classe docente.
Proponho um diácono em cada um de nós, um censor da zombaria com sensores anti-mau-gosto, que é o gosto dos demais além de mim. E agora uma anedota inofensiva, tipo António Sala:
No manicómio, um maluco, sentado num banquinho, segura uma vara de pescar mergulhada num balde de água. O médico passa e pergunta:
- O que está você a pescar?
- Otários, doutor.
- Já apanhou algum?
- Com o doutor é o quinto!
- Otários, doutor.
- Já apanhou algum?
- Com o doutor é o quinto!
Que nos perdoem os doutores e os malucos, foi sem malícia.
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