Se a pergunta: «como se pode ser hoje anarquista?» pode ser colocada, a resposta parece imediata. Instalando a ética e a política no perpétuo terreno da resistência. Palavra chave, ambição cardeal do libertário. Resistir, a saber, nunca colaborar, nunca ceder, guardar no seu foro íntimo tudo o que faz a força, a energia e a potência do indivíduo que diz não a tudo o que procura diminuir o seu império, ou, até mesmo, o desaparecimento puro e simples da sua identidade. Recusar os mil e um laços ténues, ridículos, derisórios, que acabam por produzir a sujeição dos gigantes mais vigorosos. Lembremo-nos de Gulliver, imenso e poderoso, mas obrigado a permanecer pregado ao solo pela quantidade infinita dos laços, cujo número possibilitava a sua eficácia.
Longe da proposta de um modelo de sociedade ideal, avisado pela sabedoria trágica consubstancial às questões políticas graças à qual ele conhece a natureza corruptora de todo o poder e a fatalidade alienante, para qualquer indivíduo, da quase totalidade dos laços sociais, o libertário contemporâneo avança com uma atitude, uma postura, uma maneira de ser, de dizer e de fazer, um temperamento. Esta manifesta resistência, a essência da força libertária, pode ser activada em qualquer sociedade, quaisquer que sejam as geografias e as histórias. Numa ditadura ou numa sociedade liberal, num planeta devastado pelo mercado livre ou nos limites, marcados a arame farpado, de uma nação de poder totalitário, o libertário permanece sendo o homem da resistência e a oportunidade da insubmissão. De Espartacus a Inge Scholl, de Rose Blanche à Praça Tien Na Men, de Jean Moulin ao Dalai-Lama, ele cristaliza a força com a qual se fazem os tiranicidas, os inimigos declarados dos monarcas, os derrubadores do trono, os destruidores de ídolos e os perpetradores de atentados dirigidos contra os assassinos da liberdade. Todos comungam naquilo que Michelet, dissertando sobre Charlotte Corday, chamava a religião do punhal.
Também me recordo que, em matéria de política, os cínicos pouco loquazes, mas substanciais, celebram o bronze com o qual se imortalizou a memória de dois tiranicidas, estigmatizam as condecorações e as honras, fustigam os representantes do fisco, insultam os colaboracionistas, criticam os mestres, os polícias e todos os tipos de autoridades, tanto filosóficas como militares. Sabe-se que quando o imperador Alexandre solicitou a Diógenes um desejo seu a fim de o poder exaurir, este respondeu-lhe insolentemente, convidando-o a desviar-se pois ele tapava-lhe o sol. Numa outra ocasião, ao ser conduzido, acorrentado, ao pé de Filipe da Macedónia, que o interroga acerca dos motivos da sua presença num lugar daqueles, ele retorquiu: «Espio a tua instabilidade».
Michel Onfray, in A Política do Rebelde – Tratado de Resistência e de Insubmissão, trad. Carlos Oliveira, Instituto Piaget, 1999, pp. 190-192.
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Longe da proposta de um modelo de sociedade ideal, avisado pela sabedoria trágica consubstancial às questões políticas graças à qual ele conhece a natureza corruptora de todo o poder e a fatalidade alienante, para qualquer indivíduo, da quase totalidade dos laços sociais, o libertário contemporâneo avança com uma atitude, uma postura, uma maneira de ser, de dizer e de fazer, um temperamento. Esta manifesta resistência, a essência da força libertária, pode ser activada em qualquer sociedade, quaisquer que sejam as geografias e as histórias. Numa ditadura ou numa sociedade liberal, num planeta devastado pelo mercado livre ou nos limites, marcados a arame farpado, de uma nação de poder totalitário, o libertário permanece sendo o homem da resistência e a oportunidade da insubmissão. De Espartacus a Inge Scholl, de Rose Blanche à Praça Tien Na Men, de Jean Moulin ao Dalai-Lama, ele cristaliza a força com a qual se fazem os tiranicidas, os inimigos declarados dos monarcas, os derrubadores do trono, os destruidores de ídolos e os perpetradores de atentados dirigidos contra os assassinos da liberdade. Todos comungam naquilo que Michelet, dissertando sobre Charlotte Corday, chamava a religião do punhal.
Também me recordo que, em matéria de política, os cínicos pouco loquazes, mas substanciais, celebram o bronze com o qual se imortalizou a memória de dois tiranicidas, estigmatizam as condecorações e as honras, fustigam os representantes do fisco, insultam os colaboracionistas, criticam os mestres, os polícias e todos os tipos de autoridades, tanto filosóficas como militares. Sabe-se que quando o imperador Alexandre solicitou a Diógenes um desejo seu a fim de o poder exaurir, este respondeu-lhe insolentemente, convidando-o a desviar-se pois ele tapava-lhe o sol. Numa outra ocasião, ao ser conduzido, acorrentado, ao pé de Filipe da Macedónia, que o interroga acerca dos motivos da sua presença num lugar daqueles, ele retorquiu: «Espio a tua instabilidade».
Michel Onfray, in A Política do Rebelde – Tratado de Resistência e de Insubmissão, trad. Carlos Oliveira, Instituto Piaget, 1999, pp. 190-192.
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